13 de junho de 2013

Desnecessidade do sofrimento

Ando revoltado com o facto de este Universo ter sido feito de uma maneira onde o sofrimento existe e gostava que isso fosse corrigido na próxima versão do Universo. 
Esta ideia de "em último caso aprender pela dor" não me parece muito bem arquitectada. 
Considero qualquer tipo de sofrimento uma invenção desnecessária.

Se o sofrimento está lá para aprender algo, então que não se aprenda esse algo e se alterem as regras do jogo.

Onde há sofrimento vejo, além de dor inútil, uma indesculpável perda de tempo e paciência e imagino que se pudesse construir tudo isto sem esse desperdício.

Se me dizem que é (unicamente) por contraste ao sofrimento que se experiencia a felicidade, então removam a felicidade também. Não preciso de felicidade se tenho de passar previamente por uma etapa de sofrimento.
É como querer ferver água e pô-la primeiro no congelador.
Se me dizem que se pode atingir o calor da felicidade sem passar primeiro pelo gelo do sofrimento, então que, além de dizerem, que expliquem melhor, ou exemplifiquem mesmo para quem é burro nas emoções.
Mais eficiente ainda: não me construíssem burro das emoções, pois construindo-me dessa forma, causa-me sofrimento e é perda de tempo, para mim e para todo o Universo.
E mesmo que um dia atinja um tal denominado estado de iluminação, tendo passado por todos estes níveis de dificuldade crescente e enfrentado o boss final, mesmo ai, já no presumível êxtas da total felicidade, mesmo ai, creio que conservarei a minha imparcialidade e vou olhar para trás e indagar se teria sido justo para aquele ego lutador, que não tinha culpa na criação, ter sofrido o que sofreu. 

R Marcial P

3 de março de 2013

Ego Imperador

Apetece-me beber.
Não pela diversão de beber como antigamente.
É beber pela fuga.
Sentar-me num sofá com um livro ao colo, beber devagar.
E com uma vareta onírica superior, diluir esse acto de estar fisicamente quieto, num cortejo fanfarrão que avança sonoro e vistoso, pela única rua do mundo: a do meu destino de ferro.
Transcender o apagamento do sofá de veludo e sentir a dureza daquele chão irreal por onde a marcha avança, com a banda lá atrás soltando ecos, e à frente, um resquício de eu, prostrado, oferecendo flores ao Ego Imperador.

R Marcial P

7 de janeiro de 2013

Cadáver Muito Esquisito

Fervoroso compêndio das emoções, estaco solene.
Sou e estou. Faço e aconteço. Já não sei saber a azul.
Pintei os sonhos que comprei na mercearia ontem, onde tudo aconteceu, o véu caiu, as máscaras desapareceram, amor e...
Os produtos foram colocados em saldo e os teus porquês sem ideia, não os entendo.
Não entendo a promoção que fazes dos dias que te retiras a ti própria de mim.
Ai caramba. Caramba pá! Bolas, raios e coriscos.
Perco-me novamente por entre arcos sem fim, até que no reflexo reencontro o início dos tempos.
Então eles foram pelas ruas, parando e queimando aqui e acolá, alheios aos olhares curiosos que plantas no meu ardente contemplar-te.
Hoje sinto-me fora de ti, esperneando pelas ruas da distância morna, quente húmida.
Desejo-me ardentemente. Quero-me percorrer o corpo com carícias de alma.
Mas nas profundezas do ser, da alma, a vida estava turva e eles procuravam limpar com o detergente que te atiro sujando-te a roupa salpicadamente
E como quem enfim se rasga na voz, inquiro-te: porque nos boicotas assim? Sim! Assim assado!
Há pedaços de som que se mastiga, por entre o dedilhar da guitarra, esquecendo o café que combinara com o engenheiro na noite anterior.
Mas o que importa é hoje, agora. E agora neste momento, quem traduz tudo o que escrevemos?

Carina, Patrícia, Roger, Ronan
Tejo Bar - 2013

3 de dezembro de 2012

Falta de Lógica

Estes dias em que os ideais se esboroam em migalhas e aquilo que parecia mesmo serem pessoas perfeitas a fazer delas alimento deixa de responder... Dói como uma aguçada falta de lógica. Uma esquina de armário fora do sítio, onde nos aleijamos se não reparamos no caminho da sala para o quarto

27 de novembro de 2012

Exalações de Cacau

Pá, que euforia serena emanas! Dá-me a sensação de que sabes muito do que não se aprende na escola... Ou será só confiança que tens no teu papel envolvente, que é de uma prata luminosa muito atraente, com exalações de cacau.

26 de novembro de 2011

Conclusão

Agir é errar.
Observar do casulo é não ter coragem.
Escrever é mentir.

Casulo

Tenho sido, toda a vida, um observador no casulo.
Estudo cuidadosamente os gestos dos outros: as suas falas, os caminhos que escolhem em vida e a sua forma de morrer.

1 de setembro de 2011

Licores

Licor de jejum?
Licor de sossego, licor de Amesterdão, licor de vácuo, licor de pim pam pum
Licor de beijo
Dá bebedeira de amor, e vou comprar cerveja para o inter rail.
Caminhos de ferro pela Europa antiga
Quantas vezes nos teremos já cruzado noutras vidas?
Não me olhes assim, não me lembro de ti…
Uma noite, noutro século,
Bebericando licores variados
Num bar acastanhado e esquecido
O tempo em que não havia call centers
E o dono do tasco? A lavar as canecas de chumbo e a vigiar a filha boa
Éramos nós e o jazz, saboreando licor de vulva
Já não sei para onde foi tudo…
Boa tarde, fala o clique
Obrigado por ter atendido
As melhoras do adsl
Estou há mais de 20 minutos…
Aguarde um licor.


R Marcial P

3 de julho de 2011

Devaneios de tarde #2

É sempre bom
A Cameron Diaz não ter medo de mim
E as áleas da nova cidade masturbarem-se de noite
Nas concordâncias da véspera
É bom e é sempre!
As capitulações da nossa estabilidade emocional
Serem azedas ao tacto
Sob o pretexto de sermos amados mais além
De uma e uma só gaivota suprema
Gritando o destino das luas


R Marcial P

Devaneios de tarde #1

Ao fundo da rua onde me passeio
Vejo as costas de uma hiena chapelada
E nada sei sobre ela
Leva para o fim
Soluços nos ombros largos
Rindo apocalipticamente.


R Marcial P

14 de janeiro de 2011

Marés

Uma recém pré nova antiga discussão de dentro
Sobre que peão se há-de mover agora ontem
Neste quadrado de quadrados diagonalizáveis
Nesta hora inclinada da semi claridade nocturna
Não vejo além das escalas de cinzento refractado
Do meu quase processo de escolha reincenerada diariamente
Iço fatigado uma e outra vez as velas gigantes
A todos os entre ventos que ante sopram capazes
Os velhos neo círculos da inacabada dança de fumo
E o meu casco de madeira romba avança espumoso e alegre
Na incógnita maré de prata que se bifurca no desleme
Da minha não intenção de porto, chegada omissa
Andarei eu, ontem sempre amanhã às voltas, nesta perene maçã de água?


R Marcial P

26 de dezembro de 2010

Pionés

Amiga de há tanto tempo.
Sempre que falo contigo estás numa cidade diferente.
Lembro-me de ti na Guarda.
Lembro-me de ti em Coimbra e em Portalegre
Lembro-me de ti na Europa toda.
Agora estás a abastecer em Santiago do Cacém.
Também vais espetar esse pionés no mapa?
Eu tenho estado sempre aqui...
Se riscasse o teu passeio pelo mapa-mundo, fazia um desenho.
Se riscasse o meu, fazia um pequeno borrão até furar o papel.



R Marcial P

24 de novembro de 2010

Um jantar no palco

Estou num jantar no meio de muita gente conhecida, alguns chegam mesmo a ser meus amigos, mas pairo longe, numa zona muito para dentro de mim. Tão interior, que os ruídos dos empregados, talheres, e gargalhadas soltas me chegam coados por um espesso pano de teatro falso.
Eis que chegas lá ao fundo da sala e a minha distracção cola-se imediatamente a ti.
Vejo as curvas do teu corpo sensual deformarem a matéria de objectos e pessoas por quem passas, com uma gravidade excêntrica de várias estrelas juntas, e os meus olhos orbitam-te como dois planetas desencontrados.
Abro a boca e sai-me uma frase de circo, que talvez seja a minha fala, e o teu sorriso de beijo senta-se escandalosamente no lado mais afastado da mesa.
Volto a mim, mal disfarçando-me de actor e sinto humedecer-se qualquer coisa por baixo das órbitas. Limpo teatralmente, com um guardanapo de adereço fictício, o que talvez seja uma lágrima triunfalmente real.

R Marcial P

22 de novembro de 2010

Caçador

O bar é pequenino e escuro, mas tem um wide screen, pode-se fumar lá dentro e, quando lá está a dona, costumam passar pop dos anos 80.
Sempre que lá vou está fechado.
Mesmo quando está aberto, encontra-se fechado.
Costumo aparecer ao início da madrugada e bato com o puxador antigo na porta de madeira que nunca se abre.
Na dúvida se já teria fechado ou se nem sequer abriu, hoje o dono atende e convida-me a entrar.
O dono é sinal de má música, mas compensa com amendoíns e pergunta-me se quero copo.
Passei lá com o propósito de um cigarro e uma conversa leve com os amigos.
Mas hoje a minha atenção foi desviada para um caçador que ali estava magicamente sentado a bebericar uma cerveja clara.
Tinha aquela aura consolada de quem viveu um dia inteiro.
O bigode, a barriga farta e o chapéu de pano banal partilhavam, neste simbólico serão, esse mesmo repouso redondo de uma vida solidificada,
com uma mulher em casa deitando os filhos a horas de amanhã irem à escola aprender quaisquer matérias importantes.
Enquanto o observava, senti pena da minha vida de agitações vãs
Dos meus projectos de correrias em todas as direcções.
De não ter que me deitar a horas para coisa nenhuma.
Cresceu em mim uma extrema inveja de não me poder sentar assim na vida, com um copo de horas livres na mão e um bigode de aço que me lembrasse os traços da personalidade no espelho de todos os serões.
Pena de não ter, nem saber escolher um chapéu.

R Marcial P

18 de outubro de 2010

Potro

Ontem cruzaste-te comigo no Chiado mas não reparaste que eu também me estava a cruzar contigo.
Talvez por ires acompanhada por um desconhecido loiro que galopava bem, deixaste que a tua desatenção exagerasse quando eu esbocei um aceno de mão.
Então passaste por mim como por toda aquela massa anónima de gente ordeira da rua, que sabe tão pouco de ti e que nunca voltaria atrás para um puxão na camisola.
Rapidamente imaginei possibilidades embaraçosas de uma segunda vida de encontro e corri para te apanhar ainda.
Mas tu afastavas-te depressa, num trote de quatro patas loiras, como quem foge exageradamente a um aceno de boca muda numa multidão desarrumada.
Reparei embaraçadamente que a tua vagina estava descoberta ao olhar anónimo de quem adormecidamente a ousasse ver -
Descabimento físico de potro dentro de ti.

R Marcial P

9 de outubro de 2010

Ilíaco percebeu que nunca perdera nada em vida.
A posse é uma ilusão.


 
R Marcial P

4 de setembro de 2010

Cinzeiro

A fragilidade física na alma daquele que ama, ante quem ama.
A desistência com que decai, amando
O desfalecimento de toda a força de braços a que se sujeita, triste e alegre, numa paranóia de felicidades na hipótese, aquele que ama
E a aspereza funda daquele penhasco seu a que atira loucamente
Todo o lixo de carne e chantagem moral.
Lá em baixo, o amado protege-se do cheiro incómodo
Mas não o deita fora por fome no ego
Ou por ter uma alma gigante de pena...

Amo todos aqueles que entregam o seu grande destino à banalidade de uma paixão inteira e desagradável.
Ao vosso masoquismo!
O vosso, é o meu masoquismo multiplicado
É o que sinto por vós, vezes o que sinto dentro, quando sinto que amo extremamente
Esse despojamento irracional do ser-me
Esse choro interno, disfarçado de simpatia e vassalagem no sorriso.

Amo-te toda.
Mas se ousasses responder-me, apagarias tudo o que te tenho dito escondidamente...

É esse sórdido cordão oco de silêncio e indiferença que vai mantendo vivos em cativeiro, todos os amores-refém.
E é o lento entardecer da vida que, como o cigarro de merda, os esgota entre dedos de carne, que vão escrevendo coisas até se esquecerem num cinzeiro, alguns metros dentro do chão

R Marcial P