22 de novembro de 2010

Caçador

O bar é pequenino e escuro, mas tem um wide screen, pode-se fumar lá dentro e, quando lá está a dona, costumam passar pop dos anos 80.
Sempre que lá vou está fechado.
Mesmo quando está aberto, encontra-se fechado.
Costumo aparecer ao início da madrugada e bato com o puxador antigo na porta de madeira que nunca se abre.
Na dúvida se já teria fechado ou se nem sequer abriu, hoje o dono atende e convida-me a entrar.
O dono é sinal de má música, mas compensa com amendoíns e pergunta-me se quero copo.
Passei lá com o propósito de um cigarro e uma conversa leve com os amigos.
Mas hoje a minha atenção foi desviada para um caçador que ali estava magicamente sentado a bebericar uma cerveja clara.
Tinha aquela aura consolada de quem viveu um dia inteiro.
O bigode, a barriga farta e o chapéu de pano banal partilhavam, neste simbólico serão, esse mesmo repouso redondo de uma vida solidificada,
com uma mulher em casa deitando os filhos a horas de amanhã irem à escola aprender quaisquer matérias importantes.
Enquanto o observava, senti pena da minha vida de agitações vãs
Dos meus projectos de correrias em todas as direcções.
De não ter que me deitar a horas para coisa nenhuma.
Cresceu em mim uma extrema inveja de não me poder sentar assim na vida, com um copo de horas livres na mão e um bigode de aço que me lembrasse os traços da personalidade no espelho de todos os serões.
Pena de não ter, nem saber escolher um chapéu.

R Marcial P